AUTOCENSURA - A PIOR DAS CENSURAS
- Marcel Solimeo
- há 1 dia
- 3 min de leitura
(Provocar o medo, instalando clima de vigilância, desconfiança e insegurança que provoca a pior das censuras: a autocensura. Dostoievsk)
Em junho de 1848 uma onda revolucionária varria a Europa Ocidental, contra a monarquia, em particular na França, onde o rei Luís Felipe, após dias de sangrenta insurreição, se viu forçado a abdicar e a dar lugar a uma República, naquela que foi considerada a Segunda Revolução Francesa.
Embora muito longe dos acontecimentos, o Czar Nicolau I, então no comando do distante império russo, se sentiu ameaçado e logo passou a adotar medidas preventivas. Via riscos a seu império em qualquer movimentação.
Seu governo era constantemente denunciado, na Europa por seus inúmeros exilados, como inimigo das liberdades e sinônimo da crueldade e da opressão em seu ápice. Como todo governo ditatorial, Nicolau suspeitava constantemente do surgimento de focos de traição. Com a movimentação revolucionaria na França, então, aumentou seu temor e colocou, por toda a parte a seu serviço uma numerosa rede de espiões.
Buscando demonstrar força perante seus opositores, o Czar redigiu, de próprio punho, um manifesto, no qual assegurava sua determinação em lançar mão de todo o seu poder para manter o Trono e a Igreja à salvo da revolução.
Tratava potenciais insurretos com severidade, mediante uma sequência de providências começando pela censura rigorosa, com o próprio Imperador determinando as punições.
No esforço de sufocar as liberdades, deu início aos expurgos no meio acadêmico, com a disseminação de prisões políticas e do pavor na simples exposição de ideias.
Quando chegou aos ouvidos de Nicolau a notícia da existência do Grupo de Petrachevski, integrado por intelectuais, dentre os quais o então jovem escritor Fiodor Dostoievski, para discussões sobre as ideais socialistas e a defesa da Republica, Nicolau decidiu agir.
Mesmo sendo claro que esse grupo, ou qualquer outro na época possuía condições para afrontar o governo, o acusou de tentativa de golpe e condenou seus membros à morte, sendo vários deles executados. Talvez por ser um escritor relativamente conhecido, Dostoievski, depois de condenado à morte, e ter se ficado frente à frente com o pelotão de fuzilamento, foi perdoado no último minuto e teve sua pena convertida em 4 anos de prisão nas gélidas terras da Sibéria.
A razão de sua condenação desse grupo, foi para servir de exemplo sobre os riscos de se pensar ou manifestar contra o governo em regimes totalitários Dostosievski mostrou que os gênios encontram inspiração até mesmo em seus momentos de dor, ao retratar seus anos siberianos Recordações da Casa dos Mortos, cujo próprio cunho autobiográfico foi disfarçado, ao relatar suas experiências no cárcere, pela voz de uma terceira pessoa ficcional.
Fiodor Dostoievski escreveu vários livros após sua temporada na prisão, sempre marcado por um humor mordaz e desafiador, mostrando o poder de superação que sua genialidade permitiu não apenas sobreviver à Casa dos Mortos, como transformar sua estada em mais um apreciado romance.
Dostoievski
O que se destaca nos relatos da época no entanto, é que Dostoievsky e seus companheiros, não tinham armas, ou exércitos, e nem qualquer outro grupo, tinham possibilidade de afrontar o Poder.
Possuíam, no entanto as armas mais temidas pelos tiranos; a palavra, as ideias e valores. Contra essas armas os ditadores não têm defesas que não seja o arbítrio e a violência. Quando usam essas armas, no entanto, eles revelam sua fraqueza e a incapacidade de combater no campo das ideias.
Por isso desconfiam de qualquer movimento, mesmo que pacífico, que difundam ideias a favor das liberdades, mesmo que essa defesa seja apenas uma aspiração.
Segundo Dostoievski, o maior problema é que a defesa dos autoritários é provocar o medo, instalando clima de vigilância, desconfiança e insegurança que provoca a pior das censuras: a autocensura, em que os próprios cidadãos passam a se preocupar com suas manifestações, ao autopoliciamento das opiniões e, mesmo, dos relacionamentos.
Comments