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CÓDIGO DOS HOMENS HONESTOS

Foto do escritor: Marcel SolimeoMarcel Solimeo

Dentre minhas releituras de Carnaval, destacou-se o livro com o título acima mencionado, porque alguns de seus tópicos parecem aplicar-se à atual situação brasileira. Honoré de Balzac escreveu, em 1825, antes, portanto, de sua obra magna "A Comédia Humana", um livro interessante intitulado "Código dos Homens Honestos", cujo título parece indicar tratar-se de um Manual de Conduta para os homens de bem. O subtítulo, no entanto, mostra que se trata da "Arte de não se deixar enganar pelos larápios", partindo de um tema recorrente em suas obras: o dinheiro, ou melhor, aqueles que o possuem e os que não o têm, e as diversas formas pelas quais os segundos procuram apropriar-se dos recursos dos primeiros.


Considera-se que o dinheiro é fonte de prazeres, poder e posição social para aqueles que o ganharam legalmente, e é a origem das disputas com aqueles que desejam conseguir, pelo menos parte desse dinheiro, através de golpes, roubos e outras armadilhas. Trata-se, então, de um manual para alertar os que têm dinheiro sobre as diversas formas utilizadas pelos larápios, ladrões e golpistas de diversas modalidades que os ameaçam, além de outras formas como a filantropia e até as coletas dominicais. Menciona os governos, com seus impostos indiretos, contra os quais não há defesa, mas tece críticas à dívida dos governos, embora não mencione explicitamente que no fim será paga pelos cidadãos.


Na introdução, Balzac afirma que a vida pode ser considerada um perpétuo combate entre ricos e pobres e dedica seu livro ao homem honrado, a quem o dinheiro vem com facilidade de fonte legítima, tentando ajudá-lo a conservar todo dinheiro que poderia perder para a sutileza e para a astúcia, sem pensar que está sendo vítima de um roubo. Afirma que o livro tem o defeito de mostrar o lado negativo da natureza humana, mas espera que sirva de mapa para que as pessoas honradas tenham um guia onde encontrar conselhos de um amigo experiente.


De início, apresenta "Considerações políticas, filosóficas, legislativas, religiosas e orçamentárias sobre a COMPANHIA DOS LADRÕES", onde mostra que os ladrões constituem uma classe especial da sociedade e que movimentam as engrenagens da economia, pois geram muitos empregos. A polícia, a Justiça, as prisões e seus funcionários representam uma parte do orçamento e respondem pela existência de milhares de empregos. Na literatura, estão presentes em milhares de romances. Formam uma república que tem suas leis e seus costumes; não roubam uns aos outros.


Uma das partes mais interessantes do livro é a Assembleia dos Ladrões. Depois de um brinde ao Rei, o presidente declarou a sua alegria por fazer parte de uma assembleia tão numerosa e respeitável, e que o objetivo da reunião está ligado aos interesses mais significativos da profissão. Declarou que os honestos e, sobretudo, os ladrões, não devem criticar as leis que protegem a propriedade, pois dão ao público uma falsa sensação de segurança. Sem essas leis, todos os homens ficariam em guarda e prontos a punir imediatamente o ladrão apanhado em flagrante delito.


Sem essa proteção das leis, da polícia e da justiça, todos os homens estariam prontos a nos punir e, ao invés da prisão, poderíamos ser recebidos por um tiro de pistola. Continuou sua defesa das leis, "as punições que nos são destinadas assemelham-se aos impostos pesados com que o Parlamento taxa as mercadorias muito caras. Bendigamos ao legislador que declarou que antes de nos castigar era necessário provar o delito" e conclui. "Além disso, como sabem, um documento não mencionado num processo, o erro de um escrivão, a sutileza dos advogados, tudo nos salva".


Depois de manifestar apoio aos juízes que querem proibir a divulgação dos relatórios policiais, "que escancaram nossas estratégias cuidadosamente elaboradas", discutem a possibilidade de comprar um terreno para o mais ilustre do grupo e o fazer "membro do Parlamento, para que lá possa defender nossos direitos e interesses", proposta que foi aprovada por unanimidade. O LIVRO SEGUNDO trata das "contribuições voluntárias forçadas angariadas nos salões pelas pessoas de sociedade" apresentando as várias formas de arrancar dinheiro por meio de contribuições para diversas finalidades, inclusive pela via fiscal, que são as mais perigosas para o patrimônio.


Critica os Reis e seus empréstimos e "os governos constitucionais e suas dívidas intermináveis", que não são vistas pelas pessoas. Considera difícil classificar os impostos indiretos, no qual o apelo aos bolsos tem sempre a forma tal, que a consciência violentada protesta sorrindo e que está no limite que separa o justo do injusto. Descreve depois várias modalidades de apelo aos bolsos, como coletas, rifas, a filantropia, e outras, como gorjetas, que, "apesar de voluntárias, quase se tornam obrigatórias".


No livro Terceiro apresenta as "Indústrias Privilegiadas" que na verdade são atividades de serviços, como Cartórios, Advogados, Corretores de câmbio, Casas de Penhores que encarecem as operações e, principalmente, as casas de jogo, que, segundo ele, "nunca alguém ganhou nessas casas infames ... e a mais funesta das paixões traz com ela a ruína total daquele que é por ela dominado".

Há dez anos em cada sessão legislativa, vozes enérgicas protestam contra a imoralidade destas rendas. O Ministério deveria ouvir os gritos dos infelizes que perderam nas casas de jogo, e a voz patriótica dos legisladores que querem pôr termo a um escândalo que desonram a nação.


Trata depois dos Empréstimos e Dívida Pública. Critica o endividamento dos governos e a especulação dos ricos banqueiros, que, de qualquer lugar que venha uma proposta, encontra ouvidos e bolsos abertos. Adverte que os governos também vão à falência, e que "a França arruinou seus súditos, ao converter a renda dos títulos públicos de 5% a 3%, mas, mesmo assim, sempre encontram pessoas dispostas a comprar".

Muitos outros pontos interessantes poderiam ser destacados, mas mencionar todos tornaria muito longo esse texto, cujo objetivo é apenas despertar a curiosidade em relação ao livro, que contém muitos mais pontos de interesse e nem refletem a forma satírica e o humor do autor.


Que lições se podem tirar desse resumo de um livro escrito em um cenário diferente, não apenas no espaço, a França, como no tempo, dois séculos atrás? Poderíamos destacar alguns pontos, mas não esgotam o seu conteúdo e não são, necessariamente, os mais relevantes.


O primeiro é a defesa das leis que protegem a propriedade, que deve ser aplaudida tanto pelos honestos como pelos ladrões, pois, em caso contrário, essa defesa poderia ser feita pelo proprietário, que puniria os invasores "com um tiro de pistola", reconhecendo assim o direito da proprietária de defendê-la. Ocorre que, na atualidade no Brasil, a propriedade, especialmente rural, está sujeita a invasões pelo MST e a Justiça exige que se negocie com os invasores, ao invés de determinar a saída imediata. Outro ponto é que os mesmos que pregam o desarmamento da polícia defendem também que se desarme a população, deixando assim o proprietário sem poder de reação.


Outro ponto interessante é que, segundo o autor, pela boca de seu personagem que preside a "Assembleia dos Ladrões", as penalidades são brandas e comparadas com os altos impostos sobre bens de alto valor, ao que acrescenta que "um documento não mencionado num processo, o erro de um escrivão, a sutileza dos advogados" tudo pode livrar o ladrão das penalidades. Qualquer semelhança com o que ocorre no Brasil não é mera coincidência.

Por sua vez, a proposta de escolher um representante da categoria (ladrões) para concorrer ao Parlamento também tem sido motivo de preocupações no Brasil, com notícias preocupantes de que os vários grupos organizados de criminosos já contam com representantes em alguns níveis dos Poderes.


A crítica à Dívida Pública e aos prejuízos dela resultantes, com perda para seus financiadores, é conhecida no Brasil, sem contar que ela é responsável pela alta de juros que inibe o crescimento da economia.

Finalmente, o ponto mais atual tratado por Balzac refere-se às "Casas de Jogo" e que "vozes enérgicas protestam contra a imoralidade dessa renda que conspurca o fisco... que deveria ouvir a voz patriótica dos legisladores que querem pôr termo a um escândalo que desonra a nação".


Sem entrar em juízo de valor sobre essa posição, uma vez que desde muitos anos temos algumas modalidades de jogos de azar legalizadas (loterias diversas que cada vez se diversificam mais), mas o governo "docemente constrangido" se prepara para aumentar sua receita a partir das diversas modalidades de apostas em jogos de futebol, recentemente regulamentadas do ponto de vista fiscal, e que já geraram alguns casos de corrupção em detrimento do esporte.


Em conclusão, parece que o mundo não mudou muito desde 1825, e que seria necessário um novo "Código dos Homens Honestos" para atualizar como agem neste novo mundo da internet e da IA, os novos ladrões e estelionatários que eram a preocupação de Balzac ao escrever seu livro.

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