A utopia é uma sociedade organizada de forma racional, ideal e harmoniosa, com um bom governo, que administra com bom senso e seriedade.
O exemplo mais conhecido de utopia, e que popularizou o uso do termo, como uma sociedade ideal é o livro de Thomas Morus, canonizado Santo pelo Papa Pio XI em 1.935 por sua fidelidade à igreja, o que lhe custou a vida, que descreve em seu livro A Utopia, uma ilha afastada do continente europeu que acolhe uma sociedade imaginária, que traduz um estado de bem-estar de seus habitantes, onde tudo é planejado e predeterminado.
Morus entregou seu texto para publicação a seu grande amigo Erasmo de Roterdã, o que é curioso pois as posições de Erasmo, expressas em seu “Elogio das Loucura”, eram contrárias à organização e à ordem que caracterizam A Utopia. Para Erasmo, a Loucura é que era a mola oculta da vida que permitia a liberdade e a criatividade. A ousadia, uma das filhas da Loucura, era recompensada.
Considero que o texto da Reforma Tributária em análise no Congresso é uma utopia, que estabelece todos os aspectos da tributação do consumo de uma forma que seus autores consideram ideal, o que pode ser correto enquanto projeto.
Se a utopia é uma situação ideal, qual o problema que seja aprovada como está no Senado? Não é contraditório considerar que sua aprovação criaria muitos problemas. Esse paradoxo é apenas aparente. A utopia é um a situação ideal imaginada e desejada, mas não é real e não considera a realidade existente.
Quando se procura transformá-la em realidade é que os problemas aparecem. Normalmente o que caracteriza a utopia é a igualdade, ou quando não, a ordem onde cada uma saiba seu lugar na sociedade e o aceite.
Como as pessoas não são iguais, qualquer tentativa de igualdade tem que ser imposta, o que exige centralização das decisões, intervencionismo e, mesmo, arbítrio. Acontece que, como dizia Orwell em seu A revolução dos Bichos, “todos são iguais, mas alguns são mais iguais”. Isso quer dizer que tem que haver os que comandam, para implementar as mudanças. Em nome da igualdade se cometem os arbítrios, pois os que serão afetados negativamente, não aceitarão pacificamente as mudanças.
Os impactos de querer transformar qualquer utopia em realidade, seja o sistema tributário ou outros mecanismos da economia, são os mesmos, no sentido de que somente podem ser implementados com intervencionismo.
O intervencionismo e a arbitrariedade na Reforma Tributária, ocorre como consequência natural do processo de mudança. Como exemplo, é necessário ignorar a autonomia dos entes federativos para poder unir os impostos dos estados com os dos municípios.
Essa fusão obriga a criar um “ente superior” aos governadores e prefeitos, ao qual são transferidos seus poderes e competências na tributação do consumo. Criou-se, para isso, o “Comitê Gestor”, cuja natureza jurídica precisou ser “inventada”, pois não se enquadra nas estruturas existentes nem no setor público, nem no privado. O fato de que estados e municípios participam do Comitê, e que, por isso, não fere o Pacto Federativo não é suficiente para justificar a amplitude das funções desse Órgão.
Além de não poderem sequer cobrar o seu tributo, os estados e municípios ainda tem que aguardar que o Comitê retire parte dos recursos arrecadados, para o pedágio e mais o percentual para um fundo de compensação.
Se somarmos os poderes do Comitê e os da SRF, teremos um Órgão que faz lembrar o “Grande Irmão” do “1.984”, que tudo vê e tudo pode. Com razão alguns o consideram o “Quarto Poder” tal abrangência de suas competências, funções e poderes.
Outra semelhança com qualquer tentativa de transformar a Utopia, em realidade, é a necessidade do intervencionismo e da regulamentação excessiva de todos os atos tributários.
Ressalte-se que essa regulamentação, não se limita ao presente, ou, sequer, ao horizonte visível, que seria o período de transição com a convivência dos dois sistemas, para as empresas, mas se estende até 2076 para completar a passagem da origem para o destino e, até 2096 para a parte dos valores destinados ao fundo de equalização. Significa que nem quando extinguir o sistema atual, isto é, estiver vigorando apenas o CBS e o IBS sobre o consumo, os estados e municípios recuperarão a autonomia.
Como toda ruptura necessária para passar da utopia para a realidade, a transformação do sistema tributário do consumo não aproveita experiências ou vivências do sistema anterior. Não se trata de uma evolução incremental, mas de uma ruptura que nega o passado, como para evitar a contaminação da nova realidade com práticas anteriores.
SplitPayment, pagamento no ato da compra, IBS sobre o sistema financeiro, CashBack, convivência de dois sistemas, quatro Fundos de Compensação, são inovações que não se baseiam nem em experiências anteriores do país, nem com exemplos de outras nações.
Pode ser que essa revolução tributária do consumo dê tudo certo e vá servir de exemplo para o mundo, o que ustificaria o desrespeito ao Pacto Federativo e as intervenções.
Mas considero que a “ruptura” em análise é uma incógnita, e que ninguém tem como avaliar os riscos de tantas mudanças. Embora tenha dúvidas, torço para que funcione, apesar de que vamos precisar espera muito tempo para fazer uma avalição definitiva.
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