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RT – DE NOVO EM SUCUPIRA – PARTE 2

Foto do escritor: Marcel SolimeoMarcel Solimeo

Mais de meia hora depois, os participantes retornaram a seus lugares para o reinício dos trabalhos, alguns mais alegres, outros sonolentos, pois além dos sucos, petiscos e café, havia no canto da sala um tonel de Água Santa, em lugar bastante visível.


Odorico Paraguassú reabre os trabalhos apresentando o economista Frederic Friedman, especialista na Escola Austríaca, que ele não sabe se fica no Rio ou em Brasília, e que foi contratado por um grupo de entidades para defender as empresas do SIMPLES na Reforma Tributária. Afirmou que ele tem experiência no setor público em governos anteriores e que não pode estar presente na primeira parte da reunião, apesar de convidado pelo Coronel Bentinho. Dirigindo-se ao economista, afirmou ter certeza de que ele poderia dar grande colaboração em favor das empresas menores e perguntou se ele queria falar.


Fridman declinou dizendo que preferia ouvir o conferencista, e depois se manifestar. Odorico então passou a palavra ao Dr. Simplício que, embora procurando não demonstrar, não ficou nada satisfeito com a presença de um especialista, cujas posições sobre a RT ele não conhecia, mas suspeitava.


Iniciou então lembrando que, na primeira parte de sua exposição havia dito que depois de 2033 haveria a simplificação do sistema, e que as empresas que sobrevivessem até lá se beneficiariam das mudanças. A razão dessa data, explicou ele:


É que termina o período da transição, durante o qual irão conviver os dois sistemas, o velho, com todos seus problemas, e o novo com todas suas interrogações, o que deverá trazer dificuldades burocráticas e, mesmo de gestão, para as empresas. Especialmente porque, além disso, no novo, estarão ocorrendo mudanças gradativas do percentual da origem para o destino no IBS, alíquotas únicas para todos os produtos, cálculo por fora e muitas outras.


Há uma preocupação muito grande com o que pode acontecer nesse período, especialmente com o setor serviços, cujo impacto da mudança é mais forte, porque terá aumento da tributação.


Por isso, disse que as empresas que sobreviverem irão se beneficiar da simplificação, desde que se preparem. O novo sistema vai se basear nas notas fiscais que deverão conter muito mais informações. Isso exigirá que as empresas precisarão ter recursos humanos, financeiros e tecnológicos para fornecer todas informações necessárias. Também, dependendo de sua posição na cadeia do produto, precisará de mais capital de giro, o que prejudica as empresas menores.


Outro ponto relevante da Reforma que, embora afete mais os estados e os municípios, é o de que os recursos da receita do IBS irão primeiro para o Comitê Gestor em Brasília, que vai reter a taxa de administração e, também, os 5% do total para redistribuir em um Fundo Compensação. Destacou que essa retenção iria até 2047 e, depois iria sendo reduzida até chegar a zero em 2097.


Epa!, exclama Odorico interrompendo o expositor. Que história é essa de tirar 5% da receita do município. E se eu não concordar? Se a população de Sucupira não concordar em pagar imposto para ajudar outros estados e municípios? Afinal, a Federação acabou? Se eu não mandar nem na minha arrecadação o que vou virar? Como é possível regulamentar essa cobrança até 2047 e 2097?


Será que o mundo não muda nesse período? Acho isso um absurdo, conclui Odorico.


Dr. Simplício esperou o desabafo de Odorico, mas não respondeu diretamente seu questionamento. Retomou a palavra dizendo que essa questão do Pacto Federativo era muito complexa. Os defensores argumentam que, como estados e municípios estão representados no Comitê Gestor isso não desrespeitaria o Pacto Federativo. Outros, no entanto, consideram que a criação desse Comitê  “Interfederativo” é inconstitucional, pois se está criando um ente superior aos estados e aos municípios, que não está previsto na estrutura da Federação consagrada na Constituição. Seria uma inversão, como se o CONFAZ, que é um órgão colegiado subordinado aos estados, passassem a administrar as receitas dos estados e ditar as regras fiscais no lugar dos governadores.


Não estou tomando posição nesse debate, mas me preocupa a excessiva centralização de poderes, inclusive de normatizar, fiscalizar e dirimir conflitos, especialmente, os interfederativos. Também a estrutura necessária para gerir os recursos da arrecadação de todos estados e municípios brasileiros poderá gerar um órgão extremamente burocrático que, segundo a Lei de Parkinson, se expandirá em progressão geométrica e impossível de controlar. Reconheço que foi uma solução engenhosa, mas como municipalistas sou a favor de fortalecer a descentralização administrativa e o Comite Gestor vai na direção contraria.


Apesar de muitos problemas ainda a serem superados acho que a reforma representa um avanço, e que poderá ir sendo aperfeiçoada ao longo do tempo.


Teria muito ainda que falar sobre a RT, mas acho melhor parara por aqui e ouvir os senhores.


Fridman então pediu a palavra e, com ares de quem está acostumado a debates e palestras, começou a falar.


Senhoras e senhores, Senhor Prefeito e ilustre Coronel Bentinho. Doutor Simplício.

Foi um prazer ouvir seus esclarecimentos sobre esse tema que é tão relevante para os destinos do país, que deveria ter sido tratado no Congresso com maior cuidado e atenção.


Minha visão sobre essa proposta de Reforma Tributária é totalmente negativa. Isto porque ela nega o objetivo principal que se esperava da reforma, que é a simplificação, e isso é um problema congênito, pelo que não poderá ser corrigido ao longo do processo.


Na medida em que passou a visar mais outros objetivos, o original foi sendo inviabilizado, como afirma a “Lei de Timberger” do economista holandês Jan Tinberger, Prêmio Nobel de Economia de 1969, que afirma que “para cada objetivo é preciso ter um instrumento próprio que seja eficaz”.


Na medida em que se acrescentou a justiça social entre os objetivos, se comprometeu o da simplificação, poque isso exige controles e burocracia. Quando busca centralizar a arrecadação para escapar das restrições do Pacto Federativo, novos artifícios são adicionados. Quando ainda se propõe transferir parte da tributação da indústria para os Serviços, em uma pretensa justiça fiscal que não considera os encargos sobre a Folha como um imposto indireto nas comparações, é preciso criar mais artifícios e mais burocracia.

Então, é impossível conciliar todos esses objetivos pelo que resultou em uma proposta extremamente complexa e onerosa para a sociedade, pois vai custar muito aos contribuintes bancar os quatro Fundos criados paras compensar distorções resultantes dos mecanismos adotados.


O mais grave, contudo, é que essa proposta leva à maior concentração da economia e pode desestruturar a classe média empresarial, sustentáculo do equilíbrio econômico e social porque ela afeta negativamente o Simples, e as profissões liberais.


Se, por um lado, não se procura viabilizar o Simples, sob o argumento de que contraria a “essência” do sistema, de outro, se subsidia a grande empresa com a compensação dos benefícios que receberam na guerra fiscal. Os incentivos sempre foram dados às empresas maiores porque eram as que interessavam para estados e municípios. Portanto, o governo federal, com recursos de todos nós, vai gastar no mínimo 160 bilhões que ele não tem, e nem terá, se não aumentar impostos, em um movimento inverso de justiça social.


Desculpem a veemência, mas não consigo entender como essa proposta avança com todos esses problemas. Encerro com uma pergunta. Se a Reforma não beneficia as empresas do SIMPLES e as pequenas em geral, que representam mais de 90% dos empreendimentos, cerca vai ser positiva para quem? 


Agradeço a paciência dos senhores, a gentileza do convite e a oportunidade de aprender muito com o Dr. Simplício.


Houve um silencio constrangedor até que começaram as palmas. Quando elas cessaram e Odorico se preparava para retomar os trabalhos e o Dr. Simplício para falar, ouviu-se uma voz lá do fundo do auditório, gritando que essa era uma Reforma a favor da especulação, que discriminava as mulheres, as etnias e os gêneros, prejudicava os trabalhadores e visava agradar ao grande capital internacional. Seguiram aplauso e gritos do pequeno grupo ao lado da oradora. Era Cremilda, baixinha, gordinha com óculos de fundo de garrafa e cabelo sempre desarrumado, que, com sua voz estridente repetia seus “slogans” de sempre sobre qualquer assunto.


Como não conseguia conter o alvoroço, Odorico decidiu encerrar a reunião, sob protestos dos manifestantes. 



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