Acordei durante a noite, e uma frase me veio à mente: “Todo poder aos burocratas”.
Na hora não entendi a que se referia, mas, depois, me lembrei que na noite anterior, estive relendo as funções do Comitê Gestor do IBS, e considerei que esse órgão terá tantas funções, que crescerá tanto (como escrevi no artigo “A Lei de Parkinson”), e será
o grande poder burocrático da tributação do consumo.
Como não consegui me desligar do assunto, resolvi escrever não um artigo, porque acho que já esgotei meus argumentos sobre esse tema, mas um texto apenas para externar minhas preocupações.
Parece estranho que se considere que PEC 132\19 não fere o Pacto Federativo porque existe o Comitê Gestor, no qual estados e municípios estão representados. Se esses entes federativos não podem administrar e, nem sequer, arrecadar seu imposto, qual é sua autonomia? Possuir um representante no Comitê que, com 54 membros, vai substituir 27 governadores, 5570 prefeitos, 1060 deputados estaduais e mais de 55 mil vereadores?
Isto sem contar que, embora a Receita Federal não participe do Comitê Gestor, como o IBS e o CBS tem que andar juntos, com as mesmas regras, seguramente o órgão federal, que possui visão geral e estatísticas nacionais, deverá ser um participante importante nas decisões normativas. Um ponto ainda não esclarecido é quem vai construir e gerir o
sistema de informática superpoderoso, capaz de atender a todas operações e informações, inclusive o “CashBack”, previstas na LC 68\24.
Informação é poder.
A possibilidade de influenciar qualquer aspecto da normatização, gestão ou arrecadação de cada governador, ou prefeito, isoladamente não é zero, mas muito próximo disso. Como regiões, estados, e mesmo cidades, tem situações diferentes e, consequentemente, interesses distintos, somente composições de grupos poderão influenciar alguma
decisão.
Além disso, o COMITÊ GESTOR precisará de uma grande estrutura técnica e burocrática que,
provavelmente, terá uma bastante influência nas decisões, acabará diluindo muito mais, o peso dos representantes dos estados e municípios nas decisões, e esse órgão tende a se tornar um dos com maiores poderes da República.
Se informação é poder, centralização é mais ainda.
O governo federal, além de participar das decisões via Receita, ainda administrará os 4 Fundos criados, que também tem destinações diferentes e pode ser uma grande arma política. Se o Bolsa Família tem algum impacto eleitoral, e as estatísticas das eleições mostram que sim, o “CashBack” também poderá ter algum impacto.
Em favor de quem? Quem paga são os estados e municípios, além da União, via CBS. Mas quem tem o Cadastro Único é o governo federal. Para completar com o dinheiro para o consumidor virá de Brasília, a quem creditará a benesse?
Se essas preocupações têm algum sentido, o que se pode fazer agora, após a aprovação da EC132\24?
A alternativa seria questionar a constitucionalidade da emenda constitucional que não apenas desrespeita a cláusula pétrea da Federação, como criou Fundos sem qualquer previsão de fonte de recursos, que irão comprometer as finanças da União por um longo período. Isso gera incerteza e insegurança porque os agentes econômicos sabem
que irão pagar essa conta, mas não sabem quanto, quando, e nem como.
Se para os governadores pode ser difícil questionar agora a EC, essa tarefa deveria ser de
parlamentares que considerem válidas as observações, e que poderiam ingressar com ação no STF para tentar sustar o andamento da PEC 68\24.
Seguramente, os autores serão cobrados a apresentar alternativas. Elas existem e já foram
apresentadas, mas não consideradas. Se o sistema de informática prometido na LC 68 pode fazer tudo o que se atribui a ele, poderia também atender à proposta do Instituto Atlântico de fazer a transição para o novo sistema de forma imediata para o contribuinte, e a Central que eles chamam de ONDA, faria a transição gradativa dos recursos da origem para o destino, sem necessidade do Comitê Gestor e da transição com dois sistemas, que criam complexidade, custos e incerteza.
Outra alternativa, que poderia ser discutida, seria a de ignorar o Pacto Federativo, e federalizar o Imposto de Consumo, como fez a Índia, deixando os estados e municípios criarem um adicional ao IVA federal, ou um imposto sobre vendas. Para isso a alíquota do IVA federal deveria ser baixa, para comportar os adicionais. A do Canadá, por exemplo,
é de 8%, o que permite às Províncias, cobrarem sua parte.
O que não cabe é, porque já se avançou muito nas discussões, ignorar os problemas de uma proposta sem paralelo no mundo, em que todas regras são novas ou pouco testadas no exterior.
Embora a LC 68\24 seja um proposta muito bem elaborada e consistente do ponto de vista teórico, seus resultados são imprevisíveis tanto para os entes federais como para os contribuintes pois as estimativas e previsões elaboradas não consideram as reações dos agentes econômicos.
Imagem: Freepik
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